Atletas e ex-atletas brasileiras celebram evolução do cenário esportivo para mães-atletas de alto rendimento
Antes visto como um grande tabu, manter a carreira esportiva durante a maternidade é um assunto que vem avançando no esporte brasileiro

Pri Heldes durante a partida contra o Sesi-Bauru. Créditos: Mailson Santana/Fluminense FC
O maternar é uma tarefa que exige muita dedicação das mulheres, como cuidado, noites de sono, tempo e abdicação de atividades antes comuns. Quando pensamos nas atletas de alto rendimento, o desafio começa ainda mesmo antes de engravidar, na decisão de ter filhos ou não e no planejamento entre competições importantes para a carreira.
Érica Sena, atleta brasileira de marcha atlética, engravidou em 2021 e conta que sua maior dificuldade foi administrar o cansaço e a quebra de expectativa em relação ao novo rendimento. “Foi muito puxado, muito pesado. Você fica muito frustrada porque você estava acostumado a chegar no treino e fazer o que tinha que ser feito e pronto. Já não era mais assim. Eu sempre tive um sono muito bom, mas depois que meu bebê nasceu isso mudou totalmente. Essa questão me afetou muito porque eu não conseguia descansar e automaticamente afetava os treinos, eu chegava muito cansada”, divide.
Mirando os Jogos Olímpicos de Paris 2024, no qual terminou na melhor colocação entre as atletas brasileiras da marcha atlética brasileira (13ª posição), a atleta voltou aos treinos o quanto antes. “Eu voltei a treinar na bicicleta estática quando o Kylian tinha uma semana de nascido, mas para a pista mesmo, voltei depois dos dois meses”, lembra.
Érica foi uma importante peça para a revisão das regras do Bolsa Atleta, que hoje contempla o período em que as atletas ficam afastadas por conta da maternidade. Até 2022, a bolsa, que é definida de acordo com os resultados dos atletas nas competições, era suspensa no caso das atletas que engravidavam e, por consequência, paravam de competir. “Antes as gestantes não tinham nenhum direito, as atletas simplesmente paravam de receber o benefício quando estavam gestantes. Essa é uma etapa que quase toda mulher quer passar, eu sempre sonhei em ser mãe e a bolsa atleta era uma incerteza”, lembra Érica.
Em janeiro de 2022, o Comitê Olímpico do Brasil (COB) e a Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) argumentaram contra o bloqueio do recurso, decisão que foi atendida em junho daquele ano. “Na minha época, era tabu mulher engravidar porque ela perdia pontos, ela caía em ranking. Hoje em dia não, a gente tem a garantia de que a mulher pode ficar grávida, exercer o seu papel de mãe e pode, sim, garantir a manutenção dos seus resultados. Isso foi uma conquista do esporte”, disse a senadora Leila Barros, duas vezes medalhista olímpica de bronze no vôlei, no II Fórum da Mulher no Esporte, promovido pelo COB com a iniciativa de debater e impulsionar a equidade de gênero em todas as esferas do esporte nacional.
Após a mudança, Erica também foi incluída no programa. “A gente brigou e conseguiu reverter esse caso e eu fiquei muito feliz. Agora a gente tem a lei das gestantes e também a do puerpério, isso é maravilhoso”, celebra Érica. “Desde o primeiro momento em que eles (COB e CBAt) souberam que eu estava grávida, eles me falaram que iam continuar me apoiando, que acreditavam em mim, no meu retorno e assim foi. Eu não tenho palavras para agradecer a toda a equipe pelo apoio que eles me deram antes, durante e depois da minha gestação, e eu sou muito grata a eles”, completa.

O incentivo de políticas voltadas para as mulheres no esporte de alto rendimento também é fundamental para proteger os direitos das atletas. Iziane Marques, ex-atleta de basquete e Secretária Nacional de Esportes de Alto Desempenho do Ministério do Esporte, celebrou no II Fórum da Mulher no Esporte, a constante manutenção das conquistas para o gênero feminino no ambiente esportivo.
“No edital de 2023, a gente conseguiu colocar uma nova regra que dava justamente às atletas grávidas, puérperas, esse acesso contínuo à Bolsa Atleta. Foram definidas regras, um tempo a mais, a validação das atividades esportivas durante o tempo em que ela estava com restrições por conta da gravidez ou do parto e após o parto. Essas foram conquistas significativas para a mulher, possibilitando com que o fato de ser mulher não seja um impedimento para seguir na carreira esportiva, dependendo das suas escolhas, que são biologicamente naturais”, declarou.
Uma ideia considerada antiga é que a prática esportiva pode ser um risco para a saúde da mãe e do bebê, mas a ciência já provou o contrário. A atleta Pri Heldes, levantadora do Fluminense, se tornou um exemplo recente de atleta que não parou a carreira esportiva durante a gestação. “Eu tive todo o suporte necessário para estar lá fazendo o meu trabalho. A diretoria do Fluminense foi muito incrível, e até me surpreendeu. Foi o que me deixou mais tranquila ainda para seguir em frente. Mas acho que é muito importante lembrar que é o meu trabalho e eu faço isso desde os 11 anos. Então, tinha plena consciência do que eu estava fazendo”, comenta.
As imagens da jogadora em quadra grávida durante o duelo contra o Sesi Bauru, nas quartas de final da Superliga 2024/2025, furaram a bolha do esporte e viralizaram nas redes sociais. “A proporção me assustou, principalmente porque saiu em todas as páginas, mas eu só me apoiei nas coisas boas. Fiquei muito feliz com as reações positivas, escutei histórias legais de outras mães, atletas e até pessoas que trabalham e que se mantiveram ativas durante a gestação. Gravidez não é doença, mas lembrando, claro, que cada gestação é única”, conta.
Na história do esporte brasileiro, outras atletas também participaram de competições durante a gestação. Como é o caso da pioneira Isabel Salgado, que competiu grávida em três das cinco gestações que teve, e da também jogadora de vôlei Paula Pequeno, na época jogando na Superliga 2005/2006. “Nós somos mulheres, isso pode acontecer, estamos sujeitas a isso, não é nenhum bicho de 7 cabeças. Tendo a consciência que cada gestação é única, tendo acompanhamento correto, já sabia que era possível continuar jogando grávida. Isso nunca me gerou medo de estar em quadra, muito pelo contrário”, completa Pri Heldes.
Nos últimos Jogos Olímpicos, pela primeira vez, a vila olímpica foi equipada com uma creche. Assim, em Paris 2024, as atletas mamães puderam ter um espaço reservado em que a presença de seus bebês foi liberada para que elas pudessem amamentar (ou não) e não precisarem se distanciar dos filhos durante o período de concentração que antecede as competições. “Eu fui beneficiada e desejo que outras gestantes também possam ser beneficiadas. Eu espero de todo o meu coração que todas as atletas que desejam ser mãe, que possam ser livres, que possam viver esse momento da melhor maneira possível”, afirma Érica Sena.
No entanto, a atleta lembra que essa é uma luta contínua. “O meu sonho é que os clubes abram espaço para as mulheres gestantes. Falta muita coisa ainda, falta muita luta para a gente ainda alcançar e viver a maternidade em paz”, finaliza.